O destino se revela

O desânimo coloria o olhar do grupo ao avaliar se descansariam ou se continuariam até a cidade, um arrepio passou pelo corpo de Alymm e todos pareciam pensar a mesma coisa já que Itham não tirava os olhos da estrada que os tinha trazido até aqui, se aqueles três lobos eram uma amostra do que ainda enfrentariam nessa terra estranha, era melhor estarem preparados. Foi quando viram um homem trajando uma armadura pesada saindo da floresta e cambaleando em direção a eles com uma criança desmaiada no colo.

— Salvem o menino. Ajudem ele, por favor… — a súplica chegou ao grupo a tempo de impedirem que ele fosse ao chão com o menino. Sihtric e Uther, os primeiros a se aproximarem, examinaram o homem, que parecia recém saído da adolescência ao olhos de Uther, que tentava se manter alerta e em pé dentro da armadura envelhecida e amassada assim como a espada que carregava, claramente o equipamento tinha visto muito mais batalhas do que o homem que o trajava tinha de vida.

O guerreiro, de cabelos e olhos castanho claros e cicatrizes no rosto parecendo marcas de garras, só aceitou receber ajuda depois da certeza de que os desconhecidos haviam cuidado do menino e, aos poucos, à medida que sua respiração foi ficando mais fácil e seus ferimentos começaram a melhorar. Ele, então, pôde se apresentar propriamente e se identificou como Spencer a esse grupo tão diverso de pessoas, agradeceu silenciosamente ao Lorde da Manhã quando percebeu que até a Vistani no grupo parecia ter bondade por trás do olhar firme. Segurando seu amuleto em formato de sol, já bem gasto, junto ao peito, ele respirou fundo e elevou uma oração, não era hoje que morreria nas mãos dos servos do Demônio.

Carroças se aproximavam pela estrada e um alívio percorreu o grupo ao ver que era Stanimir quem estava à frente da pequena comitiva. Spencer, porém, se posicionou em defesa do menino e, a princípio, se negou a juntar-se ao grupo na parte de trás das carroças mas Itham e Sihtric garantiram que aqueles Vistani são amigos e que não representariam nenhum dano a ele e a criança. 

Após algum convencimento, todos subiram nas carroças e se acomodaram, Stanimir os levaria até o acampamento de Madame Eva. Sihtric começa a dedilhar uma música em seu alaúde e a paisagem parece passar mais rápido até a estrada começar a cortar um descampado com túmulos e uma forca vazia com sua corda, amarradas em nó, balançando pesadamente com o vento. Haviam acabado de passar por ela, quando a forca, chamou a atenção deles, no lugar onde antes nada havia, agora se notava um corpo pendurado, com a cabeça pendente como se fosse um boneco desprovido de vida. Alymm vira o rosto mas Itham pula da carroça e começa a correr em direção ao corpo gritando ser ele quem estava alí pendurado e morto. Antes mesmo que a feiticeira fizesse sentido do que o elfo dizia, Uther e Spencer saíram em seu encalço mas, ao se aproximarem, notaram que não havia ninguém pendurado na forca e um Itham, ainda transtornado, ouve de Spencer que a terra é amaldiçoada pelo Demônio que mora no Castelo e que não deviam ficar ali. Todos voltam para as carroças e o resto do caminho é de um silêncio recheado de desconfiança.

Passadas algumas horas de viagem, o rangido das rodas carroças guiadas pelos Vistani parece aumentar à medida que a estrada desaparece gradualmente e é substituída por um caminho tortuoso e enlameado por entre as árvores. Sulcos profundos na terra são evidências das idas e vindas de carroças.

O acampamento no Lago Tser


O dossel de névoa e galhos de repente dá lugar a nuvens negras e revoltas acima e as carroças param em uma clareira próxima a um rio que se alarga para formar um pequeno lago com centenas de metros de largura. Na clareira, se destacavam cinco tendas redondas coloridas, cada uma com três metros de diâmetro, armadas por fora de um anel de quatro carroças de topo arredondado estavam ali estacionadas. Uma tenda muito maior chamava atenção à margem do lago, com sua forma tremulante iluminada por dentro. Perto desta tenda, oito cavalos sem selas ou bridões bebiam do rio.

Os acordes tristes de um acordeão inundavam o ar se unindo com o canto de várias figuras vestidas com cores vivas ao redor de uma fogueira. Era possível ver uma trilha que continuava além deste acampamento, serpenteando ao norte entre o rio e a borda da floresta.Sihtric ajuda Alymm a descer enquanto Spencer pega a criança ainda desacordada no colo e todo o grupo parece aliviado de estar com os pés no chão novamente.

Uma mulher Vistana, vestida com saia de tiras de tecido colorido e cabelo preto trançado ao longo das costas, sai correndo de uma das tendas e abraça a criança que ainda dorme no colo de Spencer. O paladino tenta proteger o menino mas vendo a preocupação e alívio nas feições da mulher resolve perguntar de onde ela conhece o garoto. A cigana afirma que a criança fugiu de casa e chegou muito machucada, com sede e com fome ao acampamento e foi cuidado por ela até fugir de novo e pede ajuda para levá-lo a curandeira. Um cigano mais velho se aproxima, cumprimenta Stanimir, oferece vinho ao grupo e os chama até a fogueira para ouvir uma história. Sihtric e Alymm aceitam a bebida e o bardo fica impressionado com a qualidade da bebida, aceitando mais um copo. Quando o resto do grupo recusa a oferta o cigano ri mostrando seus dentes faltando e, assim como Stanimir numa noite que parecia ter sido a muitos dias atrás e não somente a duas noites, cospe na fogueira que desta vez não reage com imagens que refletem a sua história.

— Um poderoso mago veio a esta terra há mais de um ano atrás — disse o velho cigano. Eu me lembro dele como se fosse ontem. Ele estava exatamente onde vocês estão agora. Um homem muito carismático, ele era. Ele pensou que poderia reunir o povo da Baróvia contra o demônio Strahd. Ele os inoculou com sentimentos de revolta e os carregou para o castelo em massa.

— Quando o vampiro apareceu, o exército de camponeses do mago fugiu aterrorizado. Os poucos que permaneceram firmes nunca mais foram vistos.

— O mago e o vampiro descarregaram feitiços um no outro. A batalha seguiu dos pátios do Castelo Ravenloft para um precipício com vista para as cataratas. Eu vi a batalha com meus próprios olhos. Trovões sacudiram a encosta da montanha e grandes rochas caíram sobre o mago, que por sua poderosa magia sobreviveu. Raios vindo do céu atingiram o mago, que novamente se manteve firme. Mas quando o demônio Strahd investiu sobre ele, seus encantamentos não conseguiram salvá-lo. Eu o vi sendo atirado a centenas de metros para a morte. Eu desci até o rio para procurar o corpo do mago, para ver se, você sabe, ele tinha algo de valor, mas o Rio Ivlis já o havia levado embora.

Ao final da história o fogo acalma e Spencer pergunta o nome do mago, mas o cigano diz que não se lembra, e que tudo que lembrava é que ele havia vindo de longe, de algum lugar além das névoas, e que tinha algo de importante no seu nome. A conversa é interrompida por um cigano que os avisa que Madame Eva os espera e os encaminha para a maior tenda do acampamento, aquela a beira do lago Tser.

Chamas mágicas impunham um brilho avermelhado ao interior daquela tenda, revelando uma mesa baixa coberta por um pano de veludo negro e surrado. Brilhos de luz parecem brilhar de uma bola de cristal na mesa enquanto uma figura curvada perscruta suas profundezas. Enquanto a anciã fala, sua voz crepita como ervas daninhas secas. — Finalmente vocês chegaram! — Uma gargalhada forte e aguda explode como um raio louco de seus lábios secos.

Madame Eva

Madame Eva chama nominalmente cada um dos aventureiros e diz uma mensagem a cada um, palavras ligeiramente desconexas que parecem sem sentido a não ser quando atingem seu destinatário, o que causou um certo misto de pavor e curiosidade em todos. Enquanto proferia frases misteriosas sobre o passado de cada um deles, Madame Eva parecia se divertir com o silêncio que suas menções às tragédias pessoais daquele grupo trazia a sala. Ao ouvir os enigmas, Dedrin claramente se mostra o mais atordoado entre o grupo com a menção de que seu maior inimigo poderia ser um importante aliado, seguido por Uther que se contorce a menção de sua busca pela redenção através da cura do incurável. Quando o silêncio se torna profundo e todo o grupo parece se contorcer, claramente desconfortável por estar sendo perscrutado pela anciã e pelas verdades que ela atirava a frente de todos como quem tira uma venda, a velha coloca sobre a mesa um velho e surrado baralho que estava entre seus pertences e diz ao grupo — Vejamos o que o destino de vocês revela — nesse momento a vidente dirige um sorriso irônico a Alymm, que prontamente compreendeu o que estava insinuado alí. 

A leitura das cartas

A velha abre o baralho e as cartas são dispostas em cruz sobre a pequena mesa. Alymm entende prontamente o motivo pelo qual o destino a uniu àquelas cinco outras pessoas tão diferentes e sabe que cada carta e cada posição é importante e ela sente seu coração acelerar na expectativa da mensagem que pode ser a diferença entre ganhar e perder quando tiverem de cumprir seu destino, que claramente os levará a enfrentarem o demônio Strahd. A pergunta que pairava é, como isso seria possível…


Após dispor as cinco cartas, Madame Eva aponta para a carta da esquerda e começa a explicar — Esta carta remete a história. O conhecimento do antigo os ajudará a melhor entender seu inimigo. — Madame Eva então revela a carta do Torturador, para por um momento e continua — Há uma cidade onde nem tudo está bem. Lá você encontrará uma casa de corrupção e, dentro, uma sala escura repleta de fantasmas inertes.


Respirando fundo por um breve momento, a vidente pousa uma das mãos sobre a carta no topo, levanta o olhar para o grupo e segue sua leitura — Esta carta indica uma força poderosa para o bem e proteção, um símbolo sagrado de grande esperança. — em seguida revelando o Missionário, continua — Eu vejo um jardim polvilhado de neve, vigiado por um espantalho com sorriso de saco. Olhem não para o jardim, mas para o guardião.


Seguindo o sentido horário, a cigana pousa a mão sobre a carta da direita e diz com mais força — Esta é uma carta que representa poder e força. Ele fala de uma arma de vingança: uma espada de luz solar - Revelando imediatamente a carta do Vingador, continua — O tesouro pode ser encontrado na casa de um dragão, em mãos que antes eram limpas e agora estão corrompidas.


Madame Eva leva então sua mão para a quarta carta, na parte inferior, e continua — Esta carta traz a luz quem os será de grande ajuda na batalha contra as trevas. - rapidamente virando a carta que mostrava o Vidente, emenda — Procure um elfo do crepúsculo vivendo entre os Vistani. Ele sofreu uma grande perda e é perseguido por sonhos sombrios. Ajude-o, e ele os ajudará em troca.



Faltava apenas uma carta, a do centro. Madame Eva faz uma longa pausa e fala lentamente, mas em voz firme — Seu inimigo é uma criatura das trevas, cujos poderes vão muito além da mortalidade. Esta carta os conduzirá até ele! — enquanto respira profundamente, a vidente vira a última carta lentamente, revelando o Senhor das Trevas e, após um longo suspiro ela segue — Ele espreita nas profundezas da escuridão, no único lugar para o qual deve retornar

A leitura do tarokka


Ao fim da leitura, Madame Eva entrega a Spencer um unguento que, garante, acordará o menino e todos se levantam e saem da tenda, com exceção de Uther que fica para trás para conversar com a velha, provavelmente sobre os fantasmas que Alymm já tinha visto refletidos nos seus olhos castanhos. Ela saiu com o resto do grupo, todos carregavam fantasmas consigo e quando fosse a hora, se houvesse a hora, conversariam sobre isso. Spencer imediatamente procura o menino e administra o unguento, sem nenhum resultado, porém, alguns minutos depois o menino abre os olhos e olha fixamente para Spencer, abrindo um sorriso largo e adormecendo profundamente em seguida.

Em silêncio e tentando digerir um pouco tudo aquilo que aconteceu, foram convidados pelos Vistani a passar a noite no acampamento, as floresta não era segura e seria de bom grado ter uma barraca aquecida e um pouco de tranquilidade para passarem a noite. Ao adentrar na barraca, tentaram discutir as cartas e os presságios que receberam, mas perceberam que os faltava muito conhecimento sobre aquele local estranho e, principalmente sobre a criatura das trevas que governa aquelas terras. Alymm trouxe comida e bebida para todos mas Itham, claramente perturbado pelos acontecimentos da viagem, nega qualquer coisa e sai da tenda para respirar um pouco sendo seguido por Sithric que o acompanha por uma caminhada silenciosa pelo acampamento até que, depois de um tempo, iniciam uma conversa em que menciona que já havia ouvido falar muito do clã Varelis e de sua influência e pede a Itham ajuda para tentar encontrar uma pessoa muito importante para ele. A breve menção de Sithric ao nome E’lir traz memórias turvas a Itham que promete fazer o que for possível para ajudá-lo, quando conseguirem sair dessas terras estranhas. Após um pouco mais de conversa sobre suas origens, ambos retornam a tenda e se juntam ao resto do grupo que, depois de uma longa troca onde cada expõe alguns dos motivos por terem aceitado o desafio e se comprometem com a missão, decide que deveriam voltar a Baróvia, já que era a única opção que tinham além de saírem a esmo por essas terras.

Mesmo após uma noite inquieta, Spencer percebe que teve um sono incrivelmente reparador e, ao sair da carroça é recebido por um abraço do menino que havia resgatado dos lobos no dia anterior. O sorriso do menino que encheu Spencer de esperança, principalmente quando percebeu que o mesmo estava genuinamente feliz naquele acampamento, o que o deixou, mesmo com a desconfiança que tinha do Vistani, um pouco menos apreensivo pelo futuro do menino. Curiosamente o menino disse a Spencer — finalmente eu o encontrei, agora os sonhos pararam! — E correu de volta a sua tenda deixando o guerreiro, ainda confuso, para trás.

Enquanto faziam seu desjejum, um Vistana arrumava ao lado deles uma carroça que os levaria de volta até a vila que avistaram quando cruzaram os portões e de lá, estariam por conta própria. Agradecidos pela hospitalidade, subiram na carroça e seguiram em silêncio, ainda atordoados com o que ouviram na noite passada, até o destino final da viagem, a vila de Baróvia.